Uma crença silenciosa em anjos, de R. J. Ellory

29 05 2011

Uma vida regada a tragédias. Essa pode ser a descrição mais adequada a respeito de Joseph Vaughan, personagem central de Uma Crença Silenciosa em Anjos, de R. J. Ellory, da editora Intrínseca. Presenciando a morte de seu pai quando tinha onze anos de idade, assistindo ao começo da Segunda Guerra Mundial e todos seus desdobramentos e tragédias e, principalmente, sendo assombrado pelas mortes cada vez mais macabras de meninas nos arredores de seu condado na Geórgia, sul dos Estados Unidos, Joseph começa a ser perseguido por uma sombra de pavor. Todas eram meninas, todas tinham entre nove e doze anos, todas eram lindas, e a maioria delas Joseph conhecia. Todas foram agredidas, estupradas, mutiladas, esquartejadas e largadas como se fossem peças descartáveis nas proximidades de sua cidade, mas claramente abandonadas para serem encontradas por alguém. Joseph e seus amigos decidem então montar uma equipe chamada de Os Guardiões para tentar ir atrás do assassino, mas suas pretensões não se confirmam. Atualmente, Em Nova York, tenta se livrar dos fantasmas de seu passado e buscar através de seus textos um ponto de fuga.

Essa é a trama principal de Uma Crença Silenciosa em Anjos, um livro que provavelmente você já viu na livraria, olhou a capa e, pensando que se tratava de literatura fantástica sobre anjos ou qualquer coisa parecida e frustrando-se lendo a sinopse, largou o livro e não deu crédito a ele. Se você fez isso, errou. R. J. Ellory criou, em minha opinião, uma das tramas mais fantásticas e surpreendentemente detalhistas que já tive o prazer de ler, abordando a resistência dos seres humanos, a paranóia a que podem se submeter e os desdobramentos claustrofóbicos e intolerantes típicos de comunidades fechadas. A narrativa é minuciosamente traçada pelo autor, num ritmo complexo e desgastante, que faz o leitor não querer largar o livro. Leitor e personagem se misturam, trocam sentimentos, compartilham as agonias, perdem a inocência. Ellory transporta o leitor para a estória, para que ele assuma o papel de Joseph Vaughan e sinta na pele todos os seus temores. Depois de A Menina Que Roubava Livros, este foi o segundo livro que me fez sentir o coração bater na mesma frequência do personagem principal, me fazendo dormir e acordar imaginando como se desdobrariam os crimes e os medos de Joseph.

De início, senti falta de um aspecto típico de narrativas: as descrições físicas das personagens da história. E pouco depois, entendi que esta não era uma falha do autor, e sim uma intenção. O propósito da história não é criar um quadro de imagens representativas na cabeça do leitor, mas sim tocar em seu íntimo psicológico, transportá-lo para a trama e fazer com que ele seja, de certo modo, o protagonista, para que sinta tudo aflorar. São poucos os autores que conseguem fazer isso, e aqui está um deles.

Os fatos macabros da narrativa são apresentados de forma brusca, intensa e despreocupada, é como se num virar de página uma pessoa fosse assassinada e a culpa é sua por ter virado a página. Contudo, o leitor pouco se choca, porque a trama está tão psicologicamente ligada a ele que ele nem percebe uma dezena de meninas sendo mutiladas e uma guerra mundial estourando lá fora.

Só mesmo um autor que cresceu em internatos e foi preso por cometer delitos na juventude conseguiria a façanha de criar uma história tão fascinante, moralmente reflexiva e angustiante como esta. Dificilmente o leitor terminará o livro sem ter derramado uma lágrima, sem ter sofrido uma angústia e sem ter pensado até onde o ser humano pode superar-se, e do que ele precisa sacrificar para tal superação. E os anjos? Eles estão presentes, mas não personificados. Deixo o desafio para que você mesmo descubra quem são. Leia, você não vai se arrepender.

Resenha por Geisson Homrich

Título original: A quiet belief in angels
Tradução: Adalgisa Campos da Silva
Editora: Instrínseca
Páginas: 448


Ações

Information

2 responses

6 06 2011
Adriana Riess Karnal

Vi teu blog no blog da letras da Unisinos…muito bacana tudo aqui.

7 06 2011
poltronaliteraria

Obrigado, Adriana!
fico feliz que tenha gostado, volte sempre que quiser (:

Deixe um comentário